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O desmonte do Programa Nacional de Imunização e os esforços do MS para recuperá-lo. Texto da presidenta da SBB

08/05/2023

Notícias

 

Crianças em risco: doenças evitáveis, ética médica e vacinação no Brasil

 

Passada a histeria coletiva e voltando o país à normalidade, acreditamos que a história não perdoará
aqueles que intencionalmente contribuíram para essa tragédia
com a qual teremos que conviver por décadas

 

Elda Bussinguer*

 

Os dados revelam que a saúde e a vida das crianças brasileiras encontram-se em sério risco, sem que haja qualquer possibilidade de reversão em curto prazo, por mais que haja um esforço concentrado do Ministério da Saúde em implementar medidas e políticas de enfrentamento ao problema que assume proporções inimagináveis há alguns anos.

 

Saímos do patamar de país admirado internacionalmente por sua política eficaz de vacinação, com um vigoroso e atuante Plano Nacional de Vacinação, para o patamar de um dos países com pior resultado mundial na vacinação infantil. Despencamos do pódio da pirâmide no quesito eficácia para a base da pirâmide. Encontramo-nos hoje na condição vexatória de um dos 10 piores países no mundo em cobertura vacinal.

 

Para além das polêmicas envolvendo a pandemia, que nos fizeram mergulhar em uma trágica condição de protagonistas do movimento negacionista no enfrentamento da Covid-19, chegando a 700 mil mortes, em sua maioria evitáveis, é preciso pensar nas consequências e nos desdobramentos das fake news, construídas por meio de narrativas com aparência de verdade e altamente convincentes para os incautos, mas usadas exclusivamente com interesses políticos, sem qualquer compromisso com a vida e a saúde humana.

 

São conhecidos os casos de políticos e de autoridades diversas que, por interesses escusos, posicionaram-se publicamente de forma radical contra as vacinas, destacando e vociferando agressivamente suas imaginárias e tresloucadas teorias conspiratórias.

 

Agiram, assim, descredibilizando as vacinas, destacando seus improváveis efeitos colaterais, ao mesmo tempo em que, eles próprios, no privado, vacinavam-se, protegendo a si mesmos e aos seus familiares, enquanto ingênuos de todas as ordens, capturados pelo medo e pela crença no discurso e nos argumentos de personalidades que admiravam, colocaram suas vidas e suas saúdes, bem como a de seus familiares, em risco.

 

Não é difícil identificar as responsabilidades éticas e jurídicas de todos os que, de alguma forma, contribuíram para o desmonte do Programa Nacional de Imunização (PNI) e de todas as políticas de imunização brasileira. São muitos os responsáveis e deverão, todos eles, em algum momento, responder por seus atos.

 

Passada a histeria coletiva e voltando o país à normalidade, acreditamos que a história não perdoará aqueles que, intencionalmente, contribuíram para essa tragédia com a qual teremos que conviver por décadas, considerando que não basta mudar a política para termos uma mudança impactante que nos permita retomar o status quo anterior.

 

Ainda que o Projeto Reconquista das Altas Coberturas Vacinais no país, implementado por Manguinhos, em apoio ao Programa Nacional de Vacinação, obtenha sucesso e consigamos alavancar nossos índices de vacinação, há um lapso temporal no qual iremos conviver com as consequências da irresponsabilidade de muitos que se envolveram em práticas profissionais e políticas não comprometidas com a ciência, com a verdade, com a saúde e com a vida humana.

 

Há uma árdua tarefa dos governos federal, estaduais e municipais no sentido de enfrentar essa realidade. O investimento no reaparelhamento do Ministério da Saúde, nas secretarias estaduais e municipais é urgente e começa a ser feito. Assistimos a dezenas de ações nesse sentido e acreditamos que em breve veremos os efeitos dessas ações. Entretanto, há algo que transcende a essas ações públicas e que precisa ser enfrentado com urgência.

 

Parcela da classe médica que se deixou envolver pelo calor da política e se descomprometeu com sua missão maior e mais nobre, qual seja, a de dedicar sua profissão a proteger e salvar vidas, precisa ser chamada à responsabilidade.

 

As instituições médicas, em especial o Conselho Federal de Medicina (CFM), precisam agir com urgência, e com critério, no sentido de exercerem seus papéis de fiscalizadoras e garantidoras de um exercício profissional compatível com os ditames da ciência e da ética médica.

 

Necessário que se diga que o CFM não está a serviço dos médicos, mas sua existência está fundamentalmente ligada à missão de proteger a sociedade. Médicos que se assumem antivacinas e, portanto, distanciam-se do campo científico, devem ser chamados à responsabilidade, por incompatibilidade com a missão do Conselho Federal de Medicina.

 

“Promover o bem-estar da sociedade, disciplinando o exercício da medicina por meio de sua normatização, fiscalização, orientação, formação, valorização profissional e organização, diretamente ou por intermédio dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), bem como assegurar, defender e promover o exercício legal da medicina, as boas práticas da profissão, o respeito e a dignidade da categoria, buscando proteger a sociedade de equívocos da assistência decorrentes da precarização do sistema de saúde.”

 

Médicos são fundamentais para o alcance de um projeto civilizatório que garanta saúde e vida para todos.

 

* Elda Bussinguer é presidenta da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), pós-doutora em Saúde Coletiva (UFRJ), doutora em Bioética (UnB), mestre em Direito (FDV) e coordenadora do doutorado em Direito da FDV.


Publicado pelo Jornal A Gazeta (ES), edição de 25/04/2023, veículo no qual a Profa. Dra. é colunista.

 

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